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Especialistas criticam lei que permite o governo do Estado usar royalties para pagar dívida com a União e gastar com segurança pública – Diário do Rio de Janeiro

Especialistas criticam lei que permite o governo do Estado usar royalties para pagar dívida com a União e gastar com segurança pública – Diário do Rio de Janeiro
  • Publishedoutubro 29, 2025
Especialistas criticam lei que permite o governo do Estado usar royalties para pagar dívida com a União e gastar com segurança pública – Diário do Rio de Janeiro

Carta do papai Noel
Imagem: Nobrudrone

A nova lei que autoriza o governo do estado do Rio de Janeiro a usar parte dos royalties do petróleo para pagar a dívida bilionária com a União e financiar ações de segurança pública tem gerado forte reação entre especialistas e parlamentares da oposição. Sancionada nesta segunda-feira (27) pelo governador Cláudio Castro (PL), a medida é considerada inconstitucional por juristas e deputados, que afirmam que o redirecionamento dos recursos ameaça a sustentabilidade do sistema previdenciário fluminense.

O texto permite ao Executivo gastar até R$ 32,9 bilhões do montante destinado ao Rioprevidência até dezembro de 2026. Os críticos sustentam que o uso dos royalties, originalmente vinculados ao custeio de aposentadorias e pensões, viola o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial previsto na Constituição.

Dependência crescente do petróleo

Os repasses de royalties e participações especiais têm sido fundamentais para manter o pagamento de aposentadorias e pensões no estado. Segundo a Comissão de Servidores Públicos da Alerj, 69% das despesas da previdência estadual em 2024 foram custeadas com receitas do petróleo e gás. Os 31% restantes vieram de contribuições dos servidores e do governo, além de receitas com aplicações e aluguéis.

Atualmente, o Rioprevidência administra 422.777 matrículas de servidores (sendo 180.170 ativos, 160.041 inativos e 82.566 pensionistas). A folha mensal chega a R$ 3,6 bilhões. Mas a tendência de queda nos repasses preocupa: a arrecadação com royalties deve cair de R$ 27,26 bilhões este ano para R$ 21,52 bilhões em 2026, o que significará menos R$ 5,1 bilhões para o fundo previdenciário.

“Sem estudo de impacto”, dizem deputados

Deputados da oposição afirmam que o governo aprovou a lei sem apresentar estudos técnicos sobre os impactos da medida. O deputado Flávio Serafini (PSOL), presidente da Comissão de Servidores Públicos, disse que a proposta “retira recursos vinculados ao Rioprevidência sem demonstrar alternativas para o desequilíbrio financeiro”. Ele articula, junto a sindicatos e outras legendas, uma ação conjunta de inconstitucionalidade, com reunião marcada para esta quarta-feira (29), na Alerj.

O deputado Luiz Paulo (PSD), que votou contra o projeto, reforça a crítica. “A medida é profundamente destrutiva para o futuro das aposentadorias e pensões do serviço público. Retira recursos de quem ingressou no estado antes de 2013 e compromete a sustentabilidade de longo prazo do fundo”, afirmou.

Governo defende “responsabilidade fiscal”

Em nota divulgada após a sanção, o governador Cláudio Castro afirmou que a iniciativa “foi tomada com total responsabilidade fiscal e com o futuro do Rio de Janeiro em mente”. Segundo ele, “o uso de recursos excedentes de royalties fortalece o Tesouro estadual sem qualquer comprometimento no pagamento de aposentadorias”.

O governo sustenta ainda que a operação tem caráter compensatório, já que o estado aportou R$ 37,8 bilhões no Rioprevidência na última década para cobrir déficits financeiros — e que parte desses valores (R$ 4,9 bilhões) já foi utilizada em 2024 para amortizar dívidas com a União.

Caixa positivo, mas com sinal de alerta

Embora o fundo registre superávit de caixa (cerca de R$ 5 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões são oriundos de royalties e participações), projeções atuariais apontam um cenário de longo prazo preocupante. Estudos indicam déficit de R$ 233,9 bilhões para o plano dos servidores civis e de R$ 140,2 bilhões para o dos militares num horizonte de 75 anos. Apenas o plano previdenciário, destinado aos que ingressaram após setembro de 2013, apresenta superávit, estimado em R$ 1,8 bilhão.

Especialistas apontam vícios formais e desvio de finalidade

Para o advogado Hermano Cabernite, a nova norma “pode ser alvo de ação direta de inconstitucionalidade tanto no Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal”. Segundo ele, a mudança de destinação dos recursos exigiria uma lei complementar, e não ordinária. “A retenção de valores para pagamento da dívida rompe a destinação legal dos royalties e configura desvio de finalidade”, afirma.

Cabernite também cita violação aos artigos 167 e 40 da Constituição Federal, que tratam, respectivamente, da vinculação de receitas e do equilíbrio atuarial dos regimes próprios de previdência. “Leis temporárias também podem ser inconstitucionais se ferirem princípios permanentes”, conclui.

“Autonomia não é salvo-conduto”, diz jurista

O advogado Tiago Francisco da Silva lembra que a incorporação dos royalties ao patrimônio do Rioprevidência foi criada justamente para enfrentar uma crise de financiamento. “O estado pode organizar seu regime próprio, mas autonomia não é salvo-conduto para comprometer o futuro. O redirecionamento fragiliza o equilíbrio econômico e atuarial do fundo”, argumenta.

Segundo ele, a perda de receitas estruturais coloca em risco o direito fundamental à Previdência Social. “No limite, a medida configura retrocesso social, posição reiteradamente repudiada pelo Supremo Tribunal Federal”, diz.

Uso dos royalties na segurança não está previsto em lei federal

Outro especialista, o advogado João Darc Souza Moraes, observa que a Lei Federal 7.990/1989 permite a aplicação dos recursos do petróleo em áreas como previdência, educação e pagamento da dívida pública, mas não em segurança. Ele ressalta ainda que valores já depositados no Rioprevidência antes da sanção da nova lei não podem ser remanejados.

“Há contornos que envolvem direitos sociais e a necessidade de garantir fonte de custeio para cada benefício. Os royalties foram criados para isso — para assegurar o pagamento das aposentadorias e pensões”, afirma.

Fundo é base da previdência estadual Criado pela Lei 6.338/2012, o Rioprevidência reúne dois planos: o financeiro, voltado às despesas imediatas com aposentadorias e pensões de quem ingressou até 2012, e o previdenciário, destinado a formar poupança de longo prazo. O regime cobre servidores dos três Poderes estaduais e de órgãos autônomos, como o Tribunal de Contas, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Fonte: Jornal O Globo.

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Fonte: diariodorio.com